Quando falo com um e outro, Madeira e o Jobim - meus amigos de verdade, aí da minha terra - volta e meia retornam a minha memória pedaços da minha infância. Tiras de casca de laranja no fogão e ambrosia, eu - gurizinho - tomando chimarrão com meu avô no fundo da sua casa, na então Avenida Ipiranga.
Conhecemo-nos mesmo, de verdade, no final dos anos 70, ainda que o Nelson tenha nascido ao lado da casa onde nasci. Nossa fraternidade começou mesmo a ser cultivada, de verdade, então.
Quanto ao Madeira, cantarolo aquela canção do Neto Fagundes, com uma letra que inventei: não me perguntes quais são mesmo teus amigos, segue o rumo do teu próprio coração. Lá vais e pum! Então os encontrarás. Mesmo que um deles seja ele, a quem telefono e, algumas vezes, me responde, incisivamente: "estou ocupado, me liga outro dia".
No início dos anos 80, o Nelson e ele me transformaram em um ursinho de circo, a fazer palestras no Alegrete, em Passo Fundo, por aquelas bandas, enquanto os dois faziam política da OAB.
Em 1986 - não lembro bem do mês -, jantamos no City Hotel, em Porto Alegre. Falávamos do futuro. O João Gilberto - amigo sempre bem aqui junto a mim, quinzenalmente - decidira não recandidatar-se à Câmara dos Deputados. Um homem brilhante, que haveria de ser bem sucedido. Era possível que um candidato da região de Santa Maria amealhasse seus votos. Ali então, naquela noite, nesse jantar, eu e os dois decidimos - bah! lendo o que escrevo eles dirão que decidiram sem me ouvir! - que o Nelson seria candidato a deputado, o Madeira ficando pela OAB.
Então aconteceu de o Nelson ter sido eleito, tendo a precaução de ir logo para Brasília, no começo do ano. O que na verdade queria era pegar um bom apartamento! Lá chegando, como não tinha nada a fazer, começou a redigir um projeto de regimento da Constituinte e foi ao gabinete do Ulisses Guimarães. Apresentou-se, falou que tinha escrito aquilo e o doutor Ulisses lhe disse simplesmente que iria "dar uma olhada". No dia seguinte mandou chamá-lo, a partir daí nascendo uma enorme amizade entre os dois. Se o Nelson não estivesse lá, a Constituição de 1988 não seria a mesma. De verdade.
Quanto a mim, continuo em viagem por Paris, como sempre - comme d'hab, qual se diz por aqui. A amizade contudo é mágica, além de maravilhosa. É como se estivéssemos os três a caminhar por aqui. Ainda não aconteceu de estarmos de verdade os três, apenas - mais de uma vez, inúmeras! - com um e outro. Mas qualquer dia destes, de repente, assim será. Ontem, telefonei ao Jobim e ele terminou a ligação dizendo "liga para o Madeira".
Pois hoje de manhã telefonei ao Madeira e ele me sugeriu que ligasse para o Jobim!